A tenda de Kadhafi, a logística e as dores de cabeça do protocolo português
Por José Sousa Dias, da Agência LUSA
Visto do ar, o acampamento do líder líbio, Muammar Kadhafi, parece uma pequena cidade em pleno deserto. São dezenas de tendas, grandes e arejadas, brancas, rodeadas pelos camiões de grande porte, que servem os mais variados fins.
O cenário é “algures” a sul de Sirte, cidade situada pouco mais de 400 quilómetros a oeste de Tripoli e onde decorreu, em 2003, um encontro oficial entre o então ministro dos Negócios Estrangeiros português, António Martins da Cruz, e Kadhafi.
A segurança é apertadíssima, embora discreta, e eficaz, sobretudo quando, depois de mais de 200 quilómetros pelo deserto dentro, percorridos em carros de alta potência e cilindrada por auto-estradas largas e vazias, se começa a aproximar da “tenda presidencial”.
As placas de informação de trânsito estão escritas em árabe e há quem diga que as tabuletas a indicar os caminhos estão “trocadas” precisamente para “trocar as
voltas” a um qualquer intruso.
Tudo isto a propósito da anunciada vinda de Kadhafi a Lisboa, onde vai participar na II Cimeira Europa/África, marcada para 08 e 09 de Dezembro próximo, e para a qual o líder líbio já fez avisar o protocolo luso de que não ficará instalado num hotel, mas sim na sua tradicional tenda.
O problema da instalação da tenda de Kadhafi em Lisboa tem subjacente uma logística e um aparato de segurança tão ou mais inusitado que o dos restantes chefes de Estado e de governo dos dois continentes.
E o líder líbio já avisou que trará à capital portuguesa a sua própria segurança, a sua própria logística, o seu próprio equipamento e uma longa comitiva.
Mas voltando a Sirte, a velocidade diminui significativamente à medida que o automóvel se aproxima do destino, ao mesmo tempo que se começa a avistar veículos todo-o-terreno, “armados” com potentes transmissores, o que permite aos que estão à espera da comitiva portuguesa saber a respectiva localização.
Ao longe, a mesma paisagem de sempre, desértica. Pouco depois, uma cáfila de camelos, talvez mais de duas centenas, interrompem a aridez e surgem algumas ligeiras
pastagens.
Os seguranças líbios estão também por perto. Alguns aproveitam as sombras proporcionadas pelos camelos. De 500 em 500 metros há patrulhas e nota-se, a partir da viatura em que se segue, o levantar dos braços, não para saudar os visitantes mas sim para levar à boca os intercomunicadores de rádio a dar conta à “sede” da aproximação da comitiva.
Ao longe avista-se finalmente um acampamento, com muitas e enormes tendas brancas por fora. É lá que se encontra Kadhafi. Os automóveis estacionam, os membros da comitiva saem e é-lhes ordenado que deixem todos os sacos no carro. Martins da Cruz não. Leva um envelope, uma carta do então primeiro-ministro português, José Manuel Durão Barroso, e é acompanhado pelo seu homólogo líbio. Um rápido olhar em redor e notam-se dezenas de “todo-o-terreno”, equipados e armados, estrategicamente colocados a pouco mais de 100 metros do “centro” do acampamento.
Uma ligeira espera e surge Muammar Kadhafi, um dos líderes africanos há mais tempo no poder - desde 01 de Setembro de 1969. É uma figura imponente e trás vestido o habitual turbante, acastanhado, e umas vestes douradas, “equipado" com os tradicionais óculos escuros. Cordial, cumprimenta todos os membros da comitiva portuguesa com um ligeiro sorriso.
O calor é abrasador. Apenas se está bem, algo menos quente, sob as enormes tendas, qualquer uma delas sem ar condicionado. Mas estão lá geradores, que permitem iluminar o acampamento à noite. Há um televisor em todas as tendas, cada um deles ligado a satélite.
Paralelamente, a segurança controla os jornalistas e todos os movimentos que fazem, do olhar para o lado esquerdo ao olhar para o lado direito, é feito com a maior das discrições.
Deambulando pelo acampamento, os jornalistas deslocam-se à casa de banho, um enorme camião TIR, totalmente equipado só com casas de banho e chuveiros. Um segurança segue o jornalista e aguarda-o, ao sol.
Novo olhar em redor e o contraste é gritante: beduínos, berberes e soldados lado a lado com Mercedes e BMW topo de gama, com antenas e fortemente armados. Todos se mostram extraordinariamente simpáticos com os estrangeiros. A segurança na Líbia é levada ao extremo. Aliás, ao lado mais extremo. Rapidamente se sabe por onde andam os sete membros da comitiva portuguesa. O medo dos atentados, dos ataques, de qualquer coisa é evidente. Mas os sorrisos estão sempre presentes.
O regime líbio é, de facto, peculiar e talvez único no mundo. Razões políticas escondem a beleza de um país e a submissão de um povo, que agradece a Deus ter um “guia” como Kadhafi.
21.11.07
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1 comentário:
Genial! Só mesmo Kadhafi para fazer lembrar Lisboa, o seu passado islâmico!
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