16.10.06

A ARTE EFÉMERA, por Fernando Alves

À medida que a guineense “Internet às Pinguinhas” me permite, vou pondo em dia todos os Sinais (crónica diária de Fernando Alves, na TSF) perdidos desde Julho.

É daí que me chega este magistral texto, crítico da vacuidade na (e da) arte (e da vida que cada vez mais nos satisfaz). Transcrevo partes desse texto, com a devida vénia, e deixo o link, para quem quiser escutar. AQUI.


“As notícias são ambas do fim de Agosto mas escapam ao caudal excrementício da chamada estação estúpida. Não pela mesma ordem de razões que explicam a merecida perenidade do Soneto Asqueroso, de Bocage, mas pelo modo como espalham um certo perfume do tempo.

Trata uma delas da sanduíche mordiscada e abandonada num restaurante por Britney Spears e prontamente recuperada por um fan da cantora que a pôs à venda na Internet com base de licitação de 10 dólares.

A arte efémera, moldada pelos molares da princesa da POP, está disponível numa embalagem de plástico fechada por vácuo.

A sanduíche vegetal com ovo e salsicha mordiscada por Britney e Kevin (o marido da cantora) é a vacuidade nutriente. Eis como o ocasional fastio de uma rainha alimenta o apetite de seus súbditos.

(…)
A outra notícia trata de imortalizar o momento em que (como dizem os brasileiros) a filha de Tom Cruise e Katie Holmes largou a janta. O cocó inaugural de Suri, a primeira fêvera fecal, o primeiro fedor da fedelha transformado em escultura (apetece dizer) para apanhar moscas.

A notícia explica que o artista plástico Daniel Edwards esculpiu a sua obra em bronze reproduzindo o primeiro movimento intestinal da pequena Suri. O cagalhãozinho estará exposto numa galeria de Bruklin e depois será leiloado em benefício de obras de caridade.

O autor espera que a obra consiga arrebanhar 30 mil dólares, o que não faz dele senão um efémero Midas, para lá de que seria dolorosa evacuar em bronze. Seja como for a arte tem as costas largas.

(…)
De tanto metermos a cabeça na sanita mediática a casa de banho dos famosos pode de repente ser a nossa mesa. Ou, dito de uma forma mais rude, demasiadas vezes aceitamos toda a merda que nos dão. E quando calha ainda pagamos.”

Sem comentários: