2.8.08
CUSAS DI BRANCU* I - GPS PESSOAL
Uma estória passada comigo e duas com amigos, que servem para demonstrar como por vezes é engraçado trabalhar, em África, com produtos importados. Espero que as "sensibilidades mais sensíveis" que por aqui passam de quando em vez não vejam nelas fantasmas de troça maldosa. São apenas estórias engraçadas, que acontecem a qualquer um de nós quando perante factos/coisas/invenções inesperadas.
Estória 1, GPS Pessoal – Niankoei é mais que um motorista. È um companheiro de viagem de excepção, que, de vez em quando, por acaso, me conduz pelas estradas e picadas da costa ocidental africana.
O seu maior handicap é não saber ler nem escrever, mas compensa essa falha com uma memória de fazer inveja a muitos doutores, arquitectos e engenheiros. Conhece de cor as estradas e as picadas de quatro países, as barracas onde se come o melhor cabrito, o melhor arroz de peixe ou a melhor sopa de macaco; em que localidades e a que congregação e/ou confissão religiosa pertencem as mais simpáticas missões… Niankoei guarda muitos terabytes de informação na sua cabeça, onde ainda sobra espaço para as distâncias quilométricas entre as localidades. É uma espécie de GPS de carne e osso.
Às vezes, para quebrar a monotonia de horas seguidas de estrada, abro o mapa. Nessas alturas Niankoei coloca sempre um olhar aborrecido, quase desconfiado e cerra os olhos um pouco mais, fingindo que olha a estrada mais atentamente que de costume. Quando eu, somando os troços de estrada, lhe comunico que de A a B são, por exemplo, 137 km, Niankoei tem sempre uma achega a dar:
- 139! – diz de forma seca e irritada, como se os dois quilómetros de diferença pudessem fazer tombar o mundo.
Às vezes meto-me com ele e pergunto de onde até onde foi efectuada a sua contagem. Niankoei nunca hesita na resposta:
- Da estação Total do local X até ao cruzamento da mesquita do local Y!
Um destes dias assegurei-lhe que ele era melhor que um GPS. Olhou-me absorto, sem saber se a frase era elogio ou crítica. Lá lhe expliquei que no norte do mundo há uns aparelhinhos pequeninos que nos indicam por onde ir, quantos quilómetros são, os restaurantes do caminho, etc…
Niankoei olhou para mim, mais desconfiado que nunca:
- O quê?!?!
- Sim, é verdade. – reforcei, para que não julgasse que estava a mentir.
- Vocês brancos inventam com cada coisa. – concluiu com desprezo.
* Do crioulo guineense, "coisas de branco", expressão que indica (não só mas também) as invenções tecnológicas trazidas da "tera di brancu".
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