14.1.08

SOBERANIAS, AMEAÇAS E ETECÉTERAS

Certos intelectuais bissau-guineenses sempre tão defensores da sua soberania, não falaram desta vez. A extradição/expulsão (não se sabe ao certo) dos alegados terroristas mauritanos para o seu país de origem fez-se sob pressão externa e em tempo recorde, antes que eles fugissem. E parece que fora da legalidade. Ao que sei o processo não chegou às mãos do tribunal, ficou-se pela PJ/Ministério da Justiça, órgãos sem competência para extraditar ou expulsar. A serem verdade os dados que nos foram diponibilizados, foi a Ministra da Justiça que assinou o documento de extradição/expulsão. Absurdo e impensável num Estado de direito (com d pequeno) como (diz ser) a Guiné-Bissau.

França sabia que o risco de “evaporação” dos mauritanos era elevado, já que no país não existem prisões e o sistema policial, político e judicial é permeável a todo o tipo de ameaças (que não terroristas!). Por isso pressionou!

Não sendo jurista não vou entrar na matéria, mas apenas levantar questões. Aos juristas de responder.

1) A Assembleia Nacional Popular assinou uma série de convenções que ainda não foram promulgadas pelo PR. Carlos Vamain, jurista, chamou a atenção para o assunto na devida altura.

Aparentemente foi encontrada outra fórmula de extraditar/expulsar os dois suspeitos: através da Convenção da União Africana para a Prevenção e Combate do Terrorismo. Terá esta Convenção sido devidamente ratificada e promulgada pela Guiné-Bissau? Fica a questão.

2) Proibindo a Constituição guineense a pena de morte, os juristas subentendem que de igual modo não se permite a extradição/expulsão para países que a aceitam. Ora, a Mauritânia prevê ainda a pena de morte. É constitucional o acto?. Mesmo sendo coloca-se o problema ético sobre o sistema jurídico guineense (neste caso a senhora ministra que, ao que parece, tomou a decisão). Vamos fazer aos outros na terra deles o que não permitimos que se faça na nossa?

3) Há ainda outro facto dúbio, que levanta questões. Três sujeitos, ao que parece também mauritanos, foram presos por fotografar e/ou filmar as instalações da Polícia Judiciária guineense. Este facto basta para enquadrar a decisão de os extraditar no molde "legal" da anterior? Foram presentes a um juiz? E se fosse um senegalês, chinês ou luxemburguês, a filmar, no mesmo dia, as ditas instalações (onde certamente se instalou um circo mediático e de curiosos que despertou a curiosidade de muitos mirones)? Teria a decisão sido a mesma?

A fragilizada justiça guineense sai deste caso mais fragilizada ainda. Mas o país sai também. Demonstrou incapacidade de tratar devidamente um processo muito delicado. Antes disso, a pressão (desconfiança, leia-se) da comunidade internacional foi um cartão vermelho à Guiné-Bissau, uma prova que não sente nenhuma segurança no seu sistema judicial e político. Se assim foi desta vez, que a postura seja mantida no futuro, relativamente a matérias que afectam bem mais a vida de todos os guineenses que dois alegados terroristas escondidos no país. Por uma questão de coerência da (dita) comunidade internacional. Apenas por isso.


ADENDA: A ameaça lançada das escadas do avião por um dos detidos deve ser relativizada até prova em contrário. No entanto há que perguntar o que acontecerá à Àfrica sub-sahariana se grupos terroristas se começam a lembrar de atacar aqui. Com secretas mal formadas, que não servem para mais nada que não seja evitar golpes de Estado, e com sistemas policiais anacrónicos resta rezar a Alá para que os grupos terroristas tenham compaixão destes países.

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