Admito a lusofonia enquanto espaço cultural, espontâneo, que tem em comum uma mesma língua, falada, escutada, lida, em suma, utilizada. Admito a lusofonia enquanto espaço de referentes comuns, como, por exemplo, o desporto. Não concordo, no entanto, com a recorrente utilização de uma instituição popular (a língua) com fins políticos e estratégicos. Em África isso é recorrente por parte das antigas potências colonizadoras.
Para Portugal a Guiné-Bissau é o melhor exemplo do que acabo de falar. Constantemente “ameaçado” (segundo Portugal, o auto-denominado “dono” da lusofonia”) pela francofonia, a “Guiné Portuguesa” é território a proteger. Em meia dúzia de décadas de presença (efectiva) lusa no território, nunca os bissau-guineenses tiveram oportunidade de aprender o português. No pós-independência a mesma coisa. Só agora a aposta no ensino da língua surge como linha forte da cooperação do Estado português junto do Estado guineense. Uma aposta tardia e por receio. Receio que a francofonia ganhasse terreno no “nosso” (deles) território (assim se compreende porque puxa Portugal para o seu lado bissau-guineenses de formação e pensamento marcadamente francófonos).
Defender a língua portuguesa na Guiné-Bissau tem tanta validade como defender qualquer outra. No entanto, os defensores da lusofonia apresentam, desde logo, a estatística, dizendo que a língua portuguesa tem entre 180 e 200 milhões de falantes no mundo (os habitantes dos 8 países da CPLP mais os de Macau, Goa, Damão e Diu) e que isso, só por si, oferece garantias aos luso-falantes. Não há mentira mais pura. Se um nhanja do Niassa, Moçambique, ou um balanta do Oio, Guiné-Bissau, aprende as primeiras palavras de português aos 10 anos e apenas as utiliza nos muros da escola (quando regressa a casa fala nhanja, balanta ou crioulo) pode este indivíduo ser contabilizado como lusófono? Então também hoje, e aqui, me assumo francófono, pois todos os dias lido com o francês. E anglófono, porque de quando em quando falo inglês. E até germanófilo, pois dou uns pontapés na dificílima gramática alemã… (da mesma forma que os bissau-guineenses, em geral (pois há quem o fale melhor que eu), dão uns pontapés no português).
Creio que defenderia melhor os interesses da Guiné-Bissau um sistema de ensino (e um sistema político) que valorizasse o crioulo, como factor, por exemplo, de atenuação das clivagens étnicas. E, depois, algo de novo, que fizesse os guineenses ver mais além, algo que pusesse fim ao passado, que terminasse com o status quo instalado.
Não defendo a crioulização da Guiné-Bissau. O crioulo fecha os bissau-guineenses sobre si, impedindo-os de se abrir ao mundo (as fronteira do crioulo estendem-se a Ziguinchor e Cabo Verde, pas plus). Defendo, antes, uma ruptura com o passado. Já que o pouco que foi/está feito não funcionou, que se tente algo de novo. A francofonia afigura-se-me como o único espaço capaz de ajudar os guineenses a olhar mais além. Por razões muito pragmáticas. Quando passam a fronteira é “bonjour” que dizem. E do lado de lá, c’est tout un monde à découvrir… Ir ao Brasil, a Angola ou, até mesmo, a Portugal, é mais distante, demora mais tempo, custa mais dinheiro e não oferece tantas garantias.
PS: Não porei os pés tão cedo em Bissau senão queimam-me vivo. Não os amáveis e respeitadores bissau-guineenses, mas os fundamentalistas da lusofonia.
11.3.08
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2 comentários:
A ideia parece-me boa. Por que não aplicá-la também a Cabo Verde?
Abr.
a defesa da francofonia por parte de alguém que já leccionou português na Guiné-Bissau parece, no mínimo, irónico, não?!
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