17.4.08

RADIOTERAPIA

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Mohamed é um enfermeiro de ocasião, que encontrei em Kayes há 4 anos atrás. A fadiga acumulava-se desde que há dois dias saíra de Ziguinchor. A humidade e a temperatura de início de estação das chuvas fizeram o resto: duas noites e três dias acamado com paludismo. O médico que me observou aconselhou-me repouso e proibiu-me seguir viagem para Bamako, sugerindo que me instalasse nos quartos da Rádio Rural. E aqui começa uma das histórias mais fascinantes destes apenas (quase) seis anos de África.

Se um dia, por absurdo, me perguntassem onde queria ter o próximo paludismo, poderia dizer, em Kayes. Com uma condição: ficar instalado na Rádio Rural. Por que motivo? Porque Mohamed continua a ser o amável estalajedeiro de serviço. Há quatro anos, Mohamed foi a voz amiga e incansável, que tão depressa ia buscar água como preparava um cuscus e mo obrigava a comer.

A única divergência que existiu entre enfermo e enfermeiro durante os três dias de convalescença foi a temperatura ambiente do quarto. Cada vez que entrava no habitáculo, proveniente dos 40 graus e dos 80% de humidade exteriores, Mohamed considerava imperativo ligar o ar condicionado. Eu, pelo contrário, gemendo febres e suores debaixo de um lençol sovado, mais estreito que papel vegetal, insistia junto de Mohamed que o seu termostato pessoal estava avariado.

Foram dois dias fantásticos, de tremuras e cansaços, de insónias de silêncio nocturno e jornadas dormidas, à luz do dia, às prestações. Sonos inquietos, despertos por portas a bater, telefones a tocar, motorizadas a sair para e a entrar do “terreno”, vindas de “lá” ou indo para “lá”, onde está a notícia, mostrando-me que a Rádio estava viva – como que ajoelhada aos pés da cama – e me desejava as melhoras.

Curei-me definitivamente desse paludismo ao terceiro dia, quando me senti com forças para ver que calor fazia para além da porta do “gelado” compartimento onde vegetara as 48 horas anteriores. Mohamed convidou-me a entrar no estúdio. Não “abri” microfones nem lancei RM’s, spots ou jingles. Não fui entrevistado nem entrevistei ninguém. Apenas olhei os cartões de favos de ovos, isolantes colados à parede, e inspirei fundo, enchendo os pulmões daquele ar silencioso, abafado e gasto de casa sem janela. Isso bastou para perceber que estava curado.

ADENDA: Voltei ontem a Kayes. Foi a ocasião de agradecer Mohamed, que continua vivo, depois de uma picada de cobra, há uns meses, quase o ter derrubado. Não teve direito a enfermeiro, como eu. Tratou-se sozinho com ervas tradicionais sonhadas de noite e recolhidas de madrugada nas margens do Niger. Está mais velho e mais gordo – estamos os dois – e arranjou mais uma mulher, sinal que a vida lhe corre bem.

5 comentários:

Anónimo disse...

Este comentário é apenas para dizer que o nosso Alentejo, neste momento, a meio de Abril, está no seu máximo explendor. Como recorro 120 kms cada 2 dias para fazer a diálise, vejo os campos com mil cores, é uma coisa maravilhosa, e como agora tem chovido , maior é a exuberãncia. Para a semana vou a Évora.

Um abraço desde Elvas.

Anónimo disse...

É na ausência da saúde que damos valor a coisas que vão desde o físico ao espiritual... Esse "enfermeiro" merece um grande obrigado, pois cuidou de um bom amigo que apesar de ter África no peito, tem o Alentejo no código genético.
Um grande abraço.

Anónimo disse...

Às vezes penso que estás a escrever secretamente um livro sobre rádios em África. E que quando estiver pronto, me falas dele na rádio. Abraço. Fernando Alves

ana v. disse...

Mais uma história tocante e cheia de sensibilidade. Gosto sempre de lê-lo.
Um abraço
Ana

Anónimo disse...

olá jorge tudo bem, quero-te dar os parabéns pelo teu blog, assim dá para matar saudades de àfrica , neste caso Luanda onde vivi, que também deverias conhecer.
Um grande beijão para ti e esposa